A perda auditiva genética existe, e podemos elencar inúmeras causas. Uma das
classificações separa em perdas congênitas (presentes ao nascimento) e perdas
adquiridas. Nas perdas congênitas, cerca da metade está relacionada com alguma
alteração genética. A outra metade, com infecções ou situações relacionadas ao
nascimento (causa ambiental).
Quando pensamos apenas nas causas genéticas, dividimos entre sindrômicas
(que acompanham outras alterações em outras partes do corpo) e não sindrômicas
(perda auditiva exclusiva).
Ufa! São muitas divisões! Mas todas com o objetivo de facilitar a condução dos
casos do ponto de vista técnico. Ou seja, utilizamos o diagnóstico etiológico (a causa)
para determinar o tipo de tratamento, o tipo de aparelho recomendado para perda, se
é necessário investigar outras pessoas da família, se devemos encaminhar o paciente
para outra especialidade para exames, e até mesmo cuidados para prevenir piora da
audição, orientar quanto a possibilidade de transmissão da perda para os filhos e para
orientar quanto ao acompanhamento periódico com o otorrino.
Agora vamos focar nas perdas auditivas de causa genética. Existem vários genes
e tipos de herança genética que trazem a perda de audição. Por ser uma das alterações
mais comuns ao nascimento, ressalta-se a importância da triagem auditiva neonatal.
E aqui vem mais uma classificação…Na triagem neonatal, quando o recém-
nascido não tem o que chamamos de “alto risco para perda auditiva” é realizada a
emissão otoacústica (Teste da orelhinha). Porém, quando o recém-nascido é
classificado como de alto risco, partimos para exames como o BERA, que em conjunto
com o teste da orelhinha aumenta a sensibilidade da avaliação.
São considerados recém-nascidos de alto risco:
1. Antecedente familiar de surdez permanente;
2. Permanência na UTI por mais de cinco dias, ventilação extracorpórea;
ventilação assistida; exposição a drogas ototóxicas como antibióticos
aminoglicosídeos e/ou diuréticos de alça; hiper bilirrubinemia; anoxia perinatal
grave; Apgar Neonatal de 0 a 4 no primeiro minuto, ou 0 a 6 no quinto minuto;
peso ao nascer inferior a 1.500 gramas
3. Infecções congênitas (toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, herpes, sífilis,
HIV).
4. Anomalias craniofaciais envolvendo orelha e osso temporal;
5. Síndromes genéticas que usualmente expressam deficiência auditiva (como
Waardenburg, Alport, Pendred, entre outras).
6. Distúrbios neurodegenerativos (ataxia de Friedreich, síndrome de Charcot-
Marie-Tooth).
7. Infecções bacterianas ou virais pós-natais como citomegalovírus, herpes,
sarampo, varicela e meningite.
8. Traumatismo craniano.
9. Quimioterapia
Dividimos as perdas auditivas genéticas em sindrômicas (30%) e não
sindrômicas (70%). As alterações mais comumente relacionadas a perda de audição
nas doenças sindrômicas são: alteração visual, renal, do sistema nervoso, mudança de
pigmentação (cabelo e olhos por exemplo), alteração genital e musculoesquelética.
Muitos já devem ter ouvido falar de algumas das síndromes mais conhecidas como:
Usher, Pendred, CHARGE.
Vamos exemplificar a importância do diagnóstico da causa da perda auditiva
com a síndrome de Usher. Essa é uma condição genética que apresenta padrão variado
de sintomas, e, portanto, subclassificações. De forma geral, causa perda auditiva
relacionada com perda visual, trazendo um prejuízo de conexão ao ambiente por
impactar dois sentidos importantes. Cada subtipo da Síndrome de Usher pode trazer
ambas as perdas em alguma etapa da vida (desde a infância até a vida adulta), levando
assim a possibilidade de uma programação de tratamento, principalmente quando
falamos sobre o Implante Coclear, tecnologia disponível para tratar perdas auditivas
severa a profunda em pessoas que já não se beneficiam do aparelho auditivo de
amplificação sonora (AASI). Imagine uma pessoa que consegue se reabilitar
auditivamente antes de ter uma piora visual maior, isso pode significar uma redução
de impacto na qualidade de vida.
Falei acima sobre Implante Coclear e Aparelho de Amplificação Sonora, mas
não podemos esquecer da importância da comunicação no Brasil com a LIBRAS, e que
essa é uma língua visual-gestual. E nesse caso também vemos a importância do
diagnóstico etiológico. O que um paciente com Usher ou outra síndrome similar pode
fazer caso use LIBRAS como primeira língua e esteja perdendo a visão? Nesse caso, se
possível, pode-se acrescentar o tato como sentido adicional para comunicação,
podendo-se tatear a sinalização, usar alfabeto manual em palma de mão, Sistema
Braille, tadoma etc.
E as perdas auditivas genéticas não sindrômicas? Também tem um papel
importante, visto sua incidência de 70% nas causas genéticas. Existem mais de 100
genes descritos como local de alteração causadora da perda auditiva. Geralmente
esses genes são responsáveis por permitir a formação de proteínas ou outras
moléculas estrutural ou funcionalmente importantes para o processamento e
transmissão dos sons. Por serem mutações altamente seletivas, se apresentam como
única alteração clínica. O gene GJB2 é o mais popular entre todos, por sua alta
incidência.
Qual a importância de saber qual o diagnóstico entre as mais de 700 causas de
perda auditiva genética? A orientação familiar. Muitas vezes o diagnóstico não é óbvio,
e os testes podem não ser acessíveis pelo seu valor ou mesmo pela não existência fora
dos centros de pesquisa. Mas cada tipo de herança genética pode ter um potencial
maior ou menor de transmissão geracional. E algumas pessoas podem ser portadoras
assintomáticas do gene, podendo passar adiante sem apresentarem os sintomas
relacionados. Além de que em algumas culturas existe uma maior consanguinidade de
casais, fato este que aumenta o potencial de transmissão de doenças genéticas. Todos
esses fatores são importantes na orientação genética, onde o especialista na área vai
expor os pontos importantes pertinentes ao caso do indivíduo.
Portanto, tanto a condução do caso individual, quanto as orientações frente a
saúde reprodutiva tem relação direta com descobrirmos a causa da perda de audição
genética. A individualização do tratamento permite atingirmos o principal objetivo da
otorrinolaringologia dentro das alterações de audição: propiciar todas as melhores
condições para cada paciente ter a melhor qualidade de vida possível.
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